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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

F*da-se

Hoje de manhã, na rotina diária de sair do comboio, rodeado do ruído de fundo que é a massa amorfa de desconhecidos que me acompanha diariamente na eterna viagem a que estamos fadados pelas obrigações laborais, percebi que o que mantém a sanidade mental do português é tão somente esta inflexão verbal imperativa, sufixada pelo pronome indefenido, muitas vezes tida como certa e insignificante:

"Foda-se..."

Ao chegar à porta de saída da estação de Campolide, no gesto automático de resposta à chuva que caía lá fora, os inúmeros e insuspeitos transeuntes começam a tirar os seus guarda-chuva. Mas reparo que há um que o faz sem antes olhar com um ar enfadado para o céu e, antes de abrir o chapéu para se diluir na chuva quotidiana, deixa soltar um "Foda-se"

O "foda-se" dito por aquele homem é uma espécie de grito de revolta para com a sua situação. Não será um caso em que aquele "foda-se" o ajude a ficar menos molhado, a aturar os colegas de trabalho, a tirar-lhe o par de cornos que a mulher provavelmente lhe anda a pôr ou a evitar os despedimentos em massa na empresa, e que o irão provavelmente afectar. Mas a diferença entre aquele homem e todas as outras pessoas que automaticamente abriram o guarda-chuva sem pestanejar é que provavelmente, no limiar que o separa entre o último reduto que o liga a casa (linha do comboio) e a escravidão a que está votado diariamente (percurso para o trabalho), aquele "foda-se" é um último reduto de sanidade mental que lhe permite sobreviver mais um dia.

Por isso, vou fazer como aquele homem e: "foda-se" este tempo, "foda-se" este país, que se foda tudo o resto.

P.S. E há rituais que não só nos mantém sãos como nos salvam e limpam a alma. O "rir com" eterno que nos segura com certeza ao que vale a pena, "foda-ses" à parte.

Bem hajam. Foda-se!

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