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sexta-feira, 8 de maio de 2020

ANDRÉ VENTURA E O PROBLEMA DE CLASSE, E NÃO DE ETNIA

Bom dia pessoal. Então, sexta-feira, ao que parece. Portanto, análise sócio-política não é? Vamos lá então.

Há muito que desisti de diatribes políticas e futebolísticas no facebook. Noto-o nas memórias que o algoritmo protopidesco do Zuckerberg faz questão de me recordar dia-a-dia. Há uns anos em plena crise da troika e pleo fulgor benfiquista de Jesus mandava o meu bitaite regular sobre o dia-a-dia político e futebolístico.

Uso hoje esta rede social apenas para aquilo que devia servir: Ver vídeos de gatinhos e fazer spam à música que faço e que oiço e pouco mais relevante há para partilhar.

Não impede que, de vez em quando, esteja atento ao bolor de epifenómenos diários que o bafio estagnado desta rede social amiúde faz crescer.

Um fungo particularmente persistente é o epifenómeno André Ventura. Seria um cliché falar do racismo de ventura mas quando veio à tona a questão do plano de confinamento dos ciganos percebi que este não é só um problema de raça, é de classe. E muito do que está em causa em André Ventura não é só racismo, é também uma questão de classe. E neste caso dos ciganos está tudo com os holofotes apontados ao racismo.

Ou seja:

Como apareceu um vírus, ainda por cima comunista (é chinês e não olha a classes) que tem sugado toda a atenção mediática, Ventura tem lutado para permanecer à tona da água da relevância e tenta agarrar qualquer coisa que o faça vir parar aos títulos dos jornais.

Como não tem tido muita sorte em criticar o trabalho do governo relativamente ao modo como este tem lidado com a pandemia, volta-se para aquilo que lhe é familiar. Ciganos (ou o étnica e politicamente correcto, Romani). A última do André é um apartheid cigano.

Como as autoridades têm tido estado com dificuldades em fazer uma pequena comunidade cigana cumprir as ordens de confinamento Ventura, qual suricata sempre à procura do mínimo ruído, apontou todos os olhares para aquela oportunidade e veio com a ideia peregrina de arranjar um confinamento específico para a comunidade cigana.

Um apartheid, André, chama-se apartheid.

Adiante. Toda a gente se atirou ao ar a fazer-lhe as acusações habituais de racismo, fascismo, nazismo e já agora, boerismo, que seria a denominação correcta.

Ricardo Quaresma, futebolista de sucesso, cigano e essencialmente gajo da Meia Laranja, que tal como quem não se sente não é filho de boa gente, fez questão de se atirar a Ventura e recebeu um sem número de apoios e elogio relativamente ao racismo do qual, enquanto cigano, foi alvo. Enfim, o habitual.

Ora é precisamente a entrada da equação Quaresma que faz com que a questão da proposta de Ventura não se reduza a um problema de racismo. É, essencialmente, um problema de classe. E pode-se perceber pelos comentários dos seus apoiantes

O tédio do confinamento leva-me a coisas como ler caixas de comentários. Ora eu leio as caixas de comentários como quem abranda para ver um acidente de automóvel. Entretenimento mórbido, é o que há. 

Foi precisamente numa caixa de comentários que um dos apoiantes de Ventura chamou a atenção para um ponto de vista, numa frase que aqui muda tudo. 

Parafraseio:

"O Quaresma não tem direito a criticar nem a defender a comunidade cigana porque o Quaresma é rico, e quando ficou rico deixou de ser cigano"


Um rico deixa de ser cigano. Para além da dupla descriminação, racismo e classismo, isto demonstra uma questão no discurso de Ventura que vai muito mais fundo do que o simples populismo racista:

O problema para André Ventura não são os ciganos. São os pobres.

Porque no fundo Ventura é um burguês. O André Ventura, menino doutorado pela Universidade Católica, cristão, nacionalista, boas famílias, é o produto mais bem acabado daquilo que os mais empedernidos trotskistas apelidariam de "escumalha burguesa e a sua prole infecta".

Nesta limpeza de classe, Ventura começa pelos ciganos, porque são uma comunidade menor, mais fragilizada pela pobreza e esteticamente mais desagradável para o racista comum,  mas quando não houver mais ciganos para descriminar irá perseguir os negros. Mas os negros dos bairros sociais, não os negros das lojas Louis Vuitton da Avenida da Liberdade. O seu discurso, no entanto, apontará sempre o dedo a todos os negros. Excepto aos ricos, porque esses "não são negros". 
E depois, quando não houver negros e demais minorias pobres a quem o português racista comum aponte o dedo para lavar a água dos seus problemas do capote,  sobrarão os brancos pobres que o elegeram.

E aí perceberão  tarde de mais que a seguir são eles.