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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O Capital não passará!

Confesso que tenho uma ponta de marxismo a nadar-me nas veias. O que para muita gente não é necessária confissão mas para outra talvez surpreenda, ou não.

Mas vejamos o seguinte: cresci na margem Sul na cintura industrial do Barreiro/Seixal, portanto só se surpreenderá quem viver fechado numa ostra de ilusão... Ok, 99% das pessoas surpreenderam-se, adiante.

A minha infância foi formatada pelo imaginário revolucionário.

Cresci com uma efígie do Lenine no hall de entrada, tenho em casa uma preciosa biblioteca de propaganda anarco-sindicalista e edições das obras completas do Lenin com tradução autorizada pelo Kremlin. O meu pai, no Carnaval, mascarava-me de guerrilheiro cubano e na minha rua, na parede principal do mercado, esteve durante muitos anos um mural gigantesco pintado com aquelas imagens à la realismo soviético, com turbas de camponeses e operários a segurar os estandartes vermelhos em marcha contra o capital.

Isto, como disse, só é estranho para quem não viveu na Margem Sul dos anos 80.

No entanto, nos anos 80, o frenesim do novo riquismo, o fim do fervor do PREC e os anos conturbados do fim do comunismo a leste, fez com que, para um comunista que se prezasse, estes anos fossem uma alvorada do capitalismo selvagem, o surgir das privatizações em massa e o subir das grandes fortunas centradas em personagens sinistras ligadas aos governos austeros do Cavaco Silva, ao mesmo tempo que a classe camponesa e operária ia sendo lentamente afastada para o ocaso como uma memória fugaz de um imaginário distante de tempos idos da revolução.

A vida foi continuando nestes últimos 20 anos e, como se sabe, tem sido o que foi cá no nosso Portugal. Felizmente por minha parte nunca fui obrigado a seguir qualquer ideologia que fosse e sempre tive a liberdade de seguir as minhas ideias. A base do imaginário permaneceu em muita coisa e foi difícil de apagar mas a minha formação intelectual está intima e indissoluvelmente ligada ao departamento de Filosofia da FCSH, portanto de verdadeiro comunista tenho pouco. Mas aqui Freud explica e há coisas que se ganham na infância que, de tal modo recalcadas que estão, passam a fazer parte das próprias paredes que nos levantam e seguram no dia-a-dia.

Ontem, mais do que o anúncio da privatização do BPN por Teixeira dos Santos, foi a notícia da detenção de Oliveira e Costa, anterior administrador do banco, o primeiro banqueiro português a ser detido por fraude, que me fez parar, fechar os olhos, e sentir-me no meio da turba dos operários e camponeses a segurar os estandartes ao vento, marchando contra o Capital:

"Não passarás"

Bem hajam.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Uma dívida antiga

De todos os pequenos fait divers que me foram acontecendo ao longo da vida académica da licenciatura há um que me ficou remoendo na consciência até hoje.

Na boa vida universitária, com muito trabalho de estudo mas também muita farra e copazaina e essencialmente a liberdade de não ter que cumprir um horário rígido, não eram raras as vezes que, depois de noitadas preenchidas a deboche, ainda arrastava o corpo cansado para as aulas.

Num desses episódios, no autocarro 16 da Carris que me trazia da Caixa Geral de Depósitos da Av. da República para a Av. de Berna, vinha com uma ressaca de sono tremenda, de olhos esbugalhados e boca aberta a salivar. Mas dirigia-me para as aulas, portanto de mala e livros armados para mais um dia de pedagogia e ressaca.

Naquela moínha semi-tonada da sonolência e expectativa sofredora de um dia recheado de aulas monocórdicas, não deixei de ouvir uma observação da senhora que se sentava á minha frente, dirigida à minha pessoa ensonada, mas comentando com uma amiga que a ladeava.

"Vês? Coitadinho. Vai para as aulas, ali para a universidade. Vai cheio de sono. De certeza que esteve a trabalhar. Trabalha e estuda. Há que dar valor a estes jovens que se esforçam por ter uma educação e fazem estes sacrifícios"

Com os olhos fechados, por isso a senhora se deu à liberdade de me comentar, nao deixei de esboçar um sorriso cínico mental, onde lhe respondi em pensamento:
"Soubesses tu que estive levantado até às 4:30 da manhã a mamar cerveja e a ver um documentário sobre a história da pornografia na SIC..."

No entanto aquele repente de cinismo foi logo abafado por um aperto de arrependimento. O tom da senhora foi tão de boa fé, com um ar de tamanha maternalidade, compreensão e carinho, decerto habituada a ver o corropio de estudantes no autocarro, decerto mãe ou avó de um estudante e trabalhador, que aquele esgar de cinismo foi substituído por um sentimento de dívida eterna para com a atitude compreensiva que aquela senhora teve para com o meu aspecto de cansaço.

Senti que, na sexta feira passada, passados oito anos desde esse fait divers, a minha divida foi finalmente paga.

Depois de uma semana de trabalho tenso, de aulas até às 21:00, e de uma aula daquelas academicamente pesadas e densas, ao sair meio atordoado da sala, tipo zombie e com o corpo a latejar de cansaço, juro que ouvi a senhora do autocarro a dizer-me lá no fundo da memória:

"Aposto que preferias ter estado o dia inteiro a mamar cerveja e a ver pornografia"

Dívida paga!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

É pá... vão p'ó c*ralho

Rubrica Curta e Grossa.

Oh Miguel Cadilhe.,.. Vai p´ró c*ralho...

Então aceitas ir para o BPN gerir aquilo apenas com a condição de te darem um plano de poupança reforma do prórpio banco de 10.000.000€ que EXIGES pôr numa instituição fora do Grupo BPN, e ainda vens para a televisão resmungar com o Estado por ter nacionalizado o Banco porque tinhas toda a confiança na resolução dos problemas que herdaste da administração anterior? Pelos vistos a confiança tem um limite... de 10.000.000€...

Oh Cadilhe, vai p'ró c*ralho pá....

Oh Luis Delgado, vai pró c*ralho

Então vens para o programa da SIC Notícias das eleições norte-americanas dizer que, apesar de todos os noticiários afirmarem que esta era a eleição mais participada de sempre desde os anos 60, a maior votação foi a do George W. Bush, e ainda enches a boca arrogantemente como se isso fosse uma certeza e as pessoas em casa não tivessem canais de cabo (Se estão a ver a sic notícias é porque têm cabo duuh)...

Pois bem, apesar da lavagem constante dos podres da administração republicana, este facto é inegável: Um descendente de um queniano com um nome muçulmano, com propostas socialistas, acabou de ganhar o lugar de líder mais poderoso do mundo ocidental como o presidente que mais votos populares teve.

O que tu estás é a rasca por ires deixar de fazer parte do rol de ordenados da CIA para propagandistas neo-cons infiltrados na Europa.

Por isso, oh Delgado, vai p'ró c*ralho pá!

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Viva o PREC!

E voltámos aos tempos do PREC.

Qual Vasco Gonçalves, Teixeira dos Santos anuncia a nacionalização do BPN, criado em pleno tempo de iuppies e capitalistas, por este já só ser um pasto de lavagem de dinheiro e ter enterrado 700 milhões de euros num buraco sem fundo.

O Concelho de Ministros, qual Junta de Salvação Nacional, vem agora anunciar com toda a tranquilidade, aquilo que foi repudiado com violência nos tempos do PREC onde, o programa do MFA decidiu nacionalizar de uma só vez a banca inteira, ou seja, «todas as instituições de crédito com sede no continente e ilhas adjacentes».

Rude golpe para os capitalistas do regime que se viram forçados a fugir do país e refazer a fortuna para anos depois voltarem de armas e bagagens no tempo das vacas gordas do capital em Portugal. mas o tempo das vacas gordas em portugal foi apenas de vitelinhos mais ou menos cheinhos e de Mellos e Champalimauds hoje só temos capital estrangeiro, sobrando apenas o Belmiro de Azevedo como réstea desse tempo áureo do capitalismo nacional.

A diferença é que hoje a nacionalização da banca não acontece como alternativa ideológica ao capitalismo mas sim como um último recurso para não deixar caír os depósitso dos milhares de clientes que confiaram numa instituição privada para gerir o seu dinheiro e investimentos.

Mais uma vez a hipocrisia é evidente. Aquando do PREC o capitalismo vociferou contra a ruína da economia nacional nas mãos do estado. 30 anos depois vêm choramingar batatinhas. São contra a nacionalização dos ganhos, mas já são a favor da nacionalização das perdas. O estado só serve para segurar as gestões danosas, feitas às escuras, fora do controlo do estado, condição convenientemente idealizada como sendo a alternativa correcta para assegurar o progresso da economia.

O problema é que o capitalismo é um sistema económico e não uma ideologia. É preciso ser ou muito estúpido ou muito ingénuo (ou estar de má-fé) para achar que a opção por ter as grandes empresas fora do controlo do estado tem a ver com uma questão ideológica e uma solução para fazer evoluir a economia.

Fugir ao controlo do estado, como se tem visto, serve apenas e unicamente para uma coisa. Exemplos como a ENRON, a AIG nos Estados Unidos, a crise da Finlândia e a nossa amostra de 700 milhões, dos quais metade desapareceram por investimentos fictícios e lavagem de dinheiro, mostram que o não ter o controlo do estado serve para esconder as operações obscuras que, de facto produzem muito dinheiro, mas que, como se viu neste fim de ciclo, não produzem para a economia, apenas enchem os bolsos de alguns, e quando falha, tem de ser o estado, aquele que vociferavam contra antes, a providenciar a bóia de salvação.

Às vezes vêm-me os repentes revolucionaários e desato a cantar no autocarro entredentes:

"Força, força, companheiro Vasco, nós seremos a tua muralha d'aço"...