Confesso que tenho uma ponta de marxismo a nadar-me nas veias. O que para muita gente não é necessária confissão mas para outra talvez surpreenda, ou não.
Mas vejamos o seguinte: cresci na margem Sul na cintura industrial do Barreiro/Seixal, portanto só se surpreenderá quem viver fechado numa ostra de ilusão... Ok, 99% das pessoas surpreenderam-se, adiante.
A minha infância foi formatada pelo imaginário revolucionário.
Cresci com uma efígie do Lenine no hall de entrada, tenho em casa uma preciosa biblioteca de propaganda anarco-sindicalista e edições das obras completas do Lenin com tradução autorizada pelo Kremlin. O meu pai, no Carnaval, mascarava-me de guerrilheiro cubano e na minha rua, na parede principal do mercado, esteve durante muitos anos um mural gigantesco pintado com aquelas imagens à la realismo soviético, com turbas de camponeses e operários a segurar os estandartes vermelhos em marcha contra o capital.
Isto, como disse, só é estranho para quem não viveu na Margem Sul dos anos 80.
No entanto, nos anos 80, o frenesim do novo riquismo, o fim do fervor do PREC e os anos conturbados do fim do comunismo a leste, fez com que, para um comunista que se prezasse, estes anos fossem uma alvorada do capitalismo selvagem, o surgir das privatizações em massa e o subir das grandes fortunas centradas em personagens sinistras ligadas aos governos austeros do Cavaco Silva, ao mesmo tempo que a classe camponesa e operária ia sendo lentamente afastada para o ocaso como uma memória fugaz de um imaginário distante de tempos idos da revolução.
A vida foi continuando nestes últimos 20 anos e, como se sabe, tem sido o que foi cá no nosso Portugal. Felizmente por minha parte nunca fui obrigado a seguir qualquer ideologia que fosse e sempre tive a liberdade de seguir as minhas ideias. A base do imaginário permaneceu em muita coisa e foi difícil de apagar mas a minha formação intelectual está intima e indissoluvelmente ligada ao departamento de Filosofia da FCSH, portanto de verdadeiro comunista tenho pouco. Mas aqui Freud explica e há coisas que se ganham na infância que, de tal modo recalcadas que estão, passam a fazer parte das próprias paredes que nos levantam e seguram no dia-a-dia.
Ontem, mais do que o anúncio da privatização do BPN por Teixeira dos Santos, foi a notícia da detenção de Oliveira e Costa, anterior administrador do banco, o primeiro banqueiro português a ser detido por fraude, que me fez parar, fechar os olhos, e sentir-me no meio da turba dos operários e camponeses a segurar os estandartes ao vento, marchando contra o Capital:
"Não passarás"
Bem hajam.
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