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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O crime de andar nu

O #thefappening mostrou duas coisas.

Primeira, que a privacidade na internet é coisa que não existe e nem foi preciso este acontecimento para se saber isso. Segunda, e especialmente em Portugal, que há uma espécie profusa de moralistas a habitar as caixas de comentários e que não sabem muito bem exatamente como é que certos conceitos funcionam.

Agora de repente, o ónus do crime não está no roubo e no assalto à privacidade mas sim no andar nu em casa e tirar fotografias. A "culpa" é das pessoas que andam nuas em casa e tiram fotografias a elas próprias e os heróis são os criminosos que roubaram essas fotografias e expuseram essa "imoralidade".  É uma coisa que em Portugal já existe há muito que é julgamento moral da privacidade dos outros. Normalmente só existe até a própria privacidades er posta em causa. E depois descobrem-se coisas engraçadas. Mas adiante.

Podemos argumentar que não foi o mais inteligente guardar essas fotografias na iCloud mas a Apple sempre se arrogou de não ser vulnerável a vírus ou ataques. A responsabilidade da segurança é da empresa que disponibiliza o serviço. Pois bem, é como as outras, redundam sempre na desculpa, "escolha uma password melhor". O disclaimer do serviço devia ser o seguinte:

"Oiça, não é l´amuito seguro colocar aqui as suas fotos mas é livre do o fazer. O máximo que pode acontecer é ir para com as mamas à internet. Não nos responsabilizamos. era mais honesto. Adiante...

Agora cabe aos seus clientes decidir da segurança da iCoud a partir daqui. Resta saber o abalo que poderá provocar ao mito da Apple. Mas esses são outros quinhentos.

Ora, desse argumento não podemos inferir culpa de quem, na privacidade da sua casa, decide despir-se, para si ou para alguém da sua confiança, e fotografar. Por narcisismo, por ensaio artístico, por fétiche ou só porque sim. Pode fazê-lo. Está na sua casa. Fotografar-se nu ou a fazer sexo não é crime. É só fotografar-se nu ou a fazer sexo. Não é mais crime do que as pessoas fotografarem-se na latrina a arrear o calhau. Mas aposto que se em vez do #thefappening houvesse um #thedumpening não tínhamos estes moralistas todos à perna.

Deixar cair as fotografias na net pode ser uma má consequência da boa fé ou só de parvoíce mas não deve ser visto como um ónus para a culpa ou responsabilidade de quem tirou essas fotografias. Esse é um ato privado e a sua publicação, a partir do momento em que é decidida por terceiros, não torna essas fotografias do domínio público. Podem ter-ser tornado públicas mas não do domínio público. Continuam a ser do foro privado tal qual eram antes.

Gostaria de saber se essas pessoas que vêm para as redes sociais acusar a Jennifer Lawrence de imoralidade ou dizer que é bem feita por ter-se fotografado, também usariam do mesmo argumento se um dia chegassem a casa e a sua cara metade estivesse tranquilamente a fazer-lhes um felatio mas tivessem deixado a porta aberta e eu estivesse lá na porta da sala a assistir de pila na mão e eu dissesse: "Na, não deixasses a porta aberta, agora acaba lá isso se faz favor" também concordariam comigo.

Essa pessoa não devia estar a fazer sexo ou não devia ter deixado a porta aberta? Nem uma nem outra. Eu não devia é ter entrado. Mas pelos vistos ninguém compreende isso.

Já agora, estou a escrever este post nu e a filmar para o meu disco rígido. Querem-me vir cá prender?

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A overdose de Eusébio e o vício da televisão

Declaração de intenções. Sou do Benfica. O que significa que o que vou escrever pode-se aplicar a qualquer outro epifenómeno de cobertura televisiva de funerais públicos que tanham acontecido ou possam vir a acontecer mas escrevo do que me toca diretamente. Aconteceu o mesmo com a Amália, com o Papa, com o Mandela, com o Senna no Brasil mas como não sou fanboy da Senhora Dona Amália nem Católico e, apesar de ter sido fã de Senna, já faz 20 anos que ele morreu, falo do grande Eusébio porque sou do Benfica e ontem deixou-nos o nosso maior símbolo.

Desde que, no domingo de manhã se soube da notícia da morte de Eusébio, que os três principais canais entraram e modo exclusivo e durante 48 horas, quer os canais em sinal aberto , quer os canais de notícias do cabo, praticamente se dedicaram em exclusividade à cobertura do velório, do cortejo fúnebre e inundaram o tempo de antena com o Toni a repetir em loop as suas experiências com o Eusébio. Apesar de Eusébio ser uma figura mais consensual que as outras e ter unido mais ou menos a nação à volta da sua morte, ainda assim, e isso é permitido com mais facilidade pelas redes sociais, surgiu o habitual coro de vozes contra a overdose de cobertura do evento, com os argumentos habituais: "Era só um jogador de futebol"; "Não era suficientemente importante" ou o simples, "Não há mais nada de importante do país para noticiar?", etc

Isto diz-nos uma de duas coisas ou as duas.

Primeiro:
As pessoas estão de tal forma dependentes de uma rotina de televisão ou de uma dose diária de fait divers variados, passe o pleonasmo, que qualquer coisa que quebre essa rotina as deixa num estado de privação:

"Então, só dá Eusébio? E as mortes pelo mau tempo? E o governo para falar mal? E a fome em África para eu sentir pena dos coitadinhos? E a Cristina Ferreira para me dar tesão?" Esta é a conclusão que posso retirar de quem tem cabo com uma média de 120 canais a debitar inanidades 24 horas por dia e que se queixa de o Eusébio aparecer em 3 deles apenas durante 48 horas.


A segunda é o habitual:
Mesmo que não tenham cabo (e a cobertura total foi dada no cabo, nos canaios abertos foi apenas parcial) as pessoas não conseguem desligar-se da TV. Embora o mundo exista lá fora, ou até arrumado nas prateleiras de casa para quem tem livros e gosta de ler, a TV continua a ser a caixa onde todos se agregam à volta.

Mesmo para quem tem internet (e a internet para mim torna a TV algo secundário) é da TV que as pessoas se queixam. Este fenómeno existe porque ninguém se pode queixar da internet. É absolutamente livre. A internet é o que eu quiser que ela seja mas as pessoas continuam a querer que lhes enfiem conteúdos pelas goelas abaixo e essencialmente querem queixar-se dos conteúdos, embora sejam completamente livres de não os consumir.

Outro fenómeno que surge quando alguém morre é o das vozes que se lembram de trazer todos os podres do personagem à baila.

De repente somos um país de imaculados...
 

Houve depressa quem tenha lembrado que o Eusébio tinha como melhores amigos o whiskey e o putedo.

Era um bêbedo e ia às putas, olha a admiração. E até provavelmente foi isso que o matou. Foram as suas escolhas, teve as suas consequências. Esse era um problema dele e só dele.

Se ontem as elegias fossem por ele ser um putanheiro era a estátua do Zezé Camarinha que estava no Estádio da Luz.

Se quiserem também podemos fazer uma estátua de bronze ao Eusébio putanheiro, já que está tanta gente a falar dessas suas qualidades. Com um copo de whiskey na mão e uma puta a fazer-lhe um bico. Era bonito.  

Podem ter a certeza que não era nem o maior putanheiro nem o maior bêbedo deste país. Para esse lugar haverá um rol de gente na fila à sua frente para que lhe seja erguida uma estátua dessas.

O que ele era, foi e será para sempre, é o maior jogador de futebol deste país. Foi isso que se celebrou ontem.

Tudo o resto é história acessória que escolhe ver quem não lhe quer reconhecer o talento e o génio.

Quanto ao pessoal que se queixa da overdose de Eusébio... as operadoras de TV por subscrição têm 146 canais. Quem não tem cabo ou afins, desligue a televisão, compre um livro, veja pornografia na internet, beba um whiskey, vá às putas.

Eu sei que consegui fazer a maior parte dessas coisas ontem e ainda assim acompanhei o funeral do Eusébio.

Bem hajam