Páginas

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Don’t Forget the Joker (o resto são coninhas)

Aquando os meus primeiros contactos de frente com o álcool, o rock e os desgostos existenciais, no auge da adolescência inconsciente e antes de conhecer Schopenhauer, tinha um fascínio obsessivo, em muito alimentado pela visão cinematográfica do Oliver Stone, pela versão putas e vinho do Jim Morrison.
A ideia do eterno jovem numa constante espiral de rock, álcool, drogas, mamas ao léu, era algo que formatava o ideal do “estou-me a cagar para o mundo, quero é curtir” que estava disposto a adoptar durante o maior tempo possível ) o que no caso eram os Verões quentes da margem sul entre as idas à escola e ao curso profissional antes de ir ler existencialistas alemães para a FCSH).
Essa eternidade conquistada pela morte prematura de Morrison aos 27, fez-me aos 17, querer copiar o estilo de vida do rei lagarto. Só em teoria, como se vê, que a Amora não é Los Angeles. A ideia de imortalidade alimentada a drogas de uma vida que se interrompeu aos 27, fixou nessa idade mística um pressuposto de ascensão a mito de personagens maiores do que a vida que alimentaram o imaginário de muitos supostos rebeldes e livres pensadores, mas que no fundo no fundo foram uns coninhas.
Sim, Jim Morrison, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Bon Scott, "estrelas de rock eternas", ideal de juventude livre e o caralho, foram uns coninhas. o seu ideal de rock eterno, de eterna juventude é um ideal coninhas

Morreu hoje aos 70 anos o ideal rock com colhões. Feio, sujo, com verrugas e bafo a whiskey, não morreu de overdose, não deu um tiro nos cornos não se deixou embebedar e morrer afogado no próprio vómito.

Ian Fraiser Kilmister, Lemmy Motorhead de seu nome eterno, foi apanhado na curva à traição por um cancro sentado no sofá da sua casa a jogar jogos de consola
Lemmy aos 70 anos por questões de saúde teve de deixar de beber whisky, passou só a beber vodka A última vez que tinha dado um concerto tinha sido 20 dias antes de morrer e tinha os dois primeiros meses da agenda de 2016 dos Motorhead cheios com concertos ao vivo. 

Lemmy foi pai, avô, nunca parou de beber, fumar, foder, nunca parou de fazer rock em 50 anos de carreira, quase o dobro da vida das "lendas eternas". 

Dave Grohl sumariza a grandeza da lenda:
"Until then I'd never met what I'd call a real rock 'n' roll hero before. Fuck Elvis and Keith Richards, Lemmy's the king of rock 'n' roll – he told me he never considered Motörhead a metal band, he was quite adamant. Lemmy's a living, breathing, drinking and snorting fucking legend. No one else comes close"

Um bigode farfalhudo, um chapéu da confederação, uma verruga, um baixo, três acordes, a cabeça inclinada para cima a salivar letras simples arrancadas do coração. Compassos binários e quaternários ao triplo da velocidade das outras mariquices que se faziam e Lemmy não criou só o rock, criou o metal, criou o que é ser uma verdadeira lenda do rock.

nas palavras imortais do filme Airheads

Numa batalha entre lemmy e deus quem ganhava?
- Lemmy?
- Não!
- Deus?
- Errado. Pergunta rasteira...

LEMMY É DEUS!

terça-feira, 19 de maio de 2015

Se as pessoas ligassem a (inserir uma parvoíce ou causa qualquer) o que ligam ao futebol...

Uma das observações mais usuais ouvir-se e ler-se em alturas de festejos das conquistas das equipas de futebol é a seguinte:   "Se as pessoas se manifestassem com tanta energia com que se manifestam por causa do futebol..." "Ou com as causas do país não gastam tanta energia"  Fico a pensar.

O que seria se as pessoas se preocupassem com causas políticas da mesma maneira que se preocupam com o futebol. Tínhamos coisas do género:


- Debates políticos em estádios com 65000 pessoas a assobiar e gritar "filho da puta" de cada vez que um dos políticos adversários falava. O mesmo para o moderador de cada vez que interrompesse porque estava a acabar o tempo.
"Acabou o tempo o caralho! Estás é comprado, filho da puta!"

- Pessoal nos cafés, bêbedos que nem cachos a debater os prós e contras das políticas económicas expansionistas versus políticas de austeridade e cortes de investimento. Isto à volta de uma pratada de caracóis. Inevitavelmente a liberalização do mercado de trabalho redundaria num
"A puta da tua mãe, os Juízes estão é todos comprados. É o colinho constitucional".

- Votações sobre o aborto e o casamento homossexual ilustradas com os adeptos vestidos a rigor com cachecóis e camisolas de cores diferentes. Nas vitórias nos referendos, os adeptos da IVG iam para o Marquês andar às voltas com o carro, pendurados nas janelas a gritar
"Oh feto, vai pó caralho... oh feto, vai pó caralho.

Invariavelmente todas as eleições acabavam à porrada com a Polícia a varrer tudo à bastonada.

É isto que querem ver com pessoas a sentirem as causas políticas como sentem o futebol...


Ah... espera... Na verdade...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A expressão em liberdade.

Há muitos equívocos, muito histerismo, muito julgamento prévio, muita reacção acerca do que aconteceu ontem, numa amálgama de informação e opinião que só as redes sociais toraram possível.

Há vários pontos aqui. O primeiro a salvaguardar é que a barbárie de ontem não se compara à barbárie da desproporcionalidade dos ataques israelitas a Gaza que fizeram uma contagem de mortos criminosamente desproporcional. 2154 palestinianos, dos quais 352 foram crianças contra 68 israelitas, a maior parte soldados, nenhuma criança.

Numa matemática pura a morte de 352 crianças é infinitamente mais bárbaro do que a morte de uns quantos velhos brancos que fazem bonecos num 
arrondissement de boa vizinhança em Paris..

A fronteira e a diferença entre estas duas situações será caso para ser discutida ad infinitum pelos especialistas de rede social enquanto comem um donut em frente ao PC ou defendem a sua causa num qualquer portátil Apple.


A outra questão que se coloca com o que aconteceu ontem. O atentado à liberdade de expressão.


Para muitos o Charlie Hebdo era um jornal racista, xenófobo, misógeno. Era também tudo isso sim. E outros defendem que cartoonismo não é jornalismo. de facto não é. Nem foi propriamente um atentado á liberdade de imprensa como o é o rapto a decapitação de jornalistas na Síria. Não tem a ver com isso. tem a ver com a liberdade de expressão. Os cartoons do Charlie Hebdo ofendiam? Sim, eram xenófobos? Muitos, sim. Mas defender o direito á liberdade de expressão na nossa sociedade tem a ver com isto:

É defender o direito a poder esticar a liberdade de expressão a limites para além do razoável e deixar a sociedade decidir em sede prórpia e entre si quais os limites do razoável.

O direito a ser-se uma besta, um filho da puta ofensivo, xenófobo, misógino e a ser-se julgado e criticado pelos próprios pares, sociedade e tribunais de um estado de direito, e não por uma bala.
É uma expressão e é feita em liberdade. Posteriormente, e dentro das regras definidas pela sociedade é que se julgará se foi ou não um abuso da liberdade de expressão. 

Eu tenho a liberdade de chamar filho da puta ao Cavaco, ele tem a liberdade de se ofender e processar-me, mas nunca de me impedir de o chamar filho da puta. Muito menos de enviar um comando armado para me matar.

Enquanto não se perceber isso não se perceberá o que aconteceu ontem e o que se diz hoje.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O direito inalienável de poder desenhar Maomé ou Jesus a levar no cu



O que aconteceu hoje foi uma barbárie. Não maior do que um radical cristão que puxa fogo a uma clínica de abortos no Tenesse ou um norueguês tresloucado a varrer indiscriminadamente um acampameno de jovens socialistas. Todos pertencem a uma corja sub-humana que não é capaz de ter um pingo de compreensão e tolerância pela diferença de visão e opinião.

A diferença está que os ataques radicais cristãos ou de direita são feitos no extremo dos valores ocidentais, os quais, dentro da gramática cultural ocidental, são controlados e balizados por aquilo a que designámos como secularismo e são uma distorção extrema das regras por nós criadas.

Os ataques islamitas radicais não estão nas franjas da nossa civilização nem são uma distorção desses valores. Estão em afronta directa e oposta a esses valores.

Outra questão, não com menos importância, é a seguinte. Há que fazer a partir de agora uma escolha.

Muitos defenderam hoje com unhas e dentes o direito do Charlie Hebdo de ter publicado os cartoons satíricos, considerados ofensivos por muitos, se não todos os, muçulmanos (com a salvaguarda da reação de uma minoria ter sido diferente da maioria).

Ao fazê-lo não se poderão esquecer que o Charlie Hebdo publicava capas como esta:


http://cdn.controlinveste.pt/storage/DN/2015/big/ng3830539.jpg
Os cartoonistas do Charlie Hebdo não desenhavam Maomé para provocar islamitas, desenhavam Maomé e quem lhe apetecesse, porque esse é o valor da democracia ocidental.

O podermos rir connosco próprios e com os outros, sem medo. O direito a poder ofender e poder ser ofendido, o direito a podermos defender a nossa honra e liberdade.

É a este extremo que temos de levar o nosso direito. Quando dizemos somos Charlie dizemos, somos o direito de  de poder desenhar Maomé nu a lavar a loiça, Jesus a levar no Cu, o Cavaco a lamber os tomates.

E só seremos todos Charlie se amanhã continuarmos a aceitar todos os cartoons, e não apenas aqueles sobre Maomé ou muçulmanos.