Há muitos equívocos, muito histerismo, muito julgamento prévio, muita reacção acerca do que aconteceu ontem, numa amálgama de informação e opinião que só as redes sociais toraram possível.
Há vários pontos aqui. O primeiro a salvaguardar é que a barbárie de ontem não se compara à barbárie da desproporcionalidade dos ataques israelitas a Gaza que fizeram uma contagem de mortos criminosamente desproporcional. 2154 palestinianos, dos quais 352 foram crianças contra 68 israelitas, a maior parte soldados, nenhuma criança.
Numa matemática pura a morte de 352 crianças é infinitamente mais bárbaro do que a morte de uns quantos velhos brancos que fazem bonecos num arrondissement de boa vizinhança em Paris..
A fronteira e a diferença entre estas duas situações será caso para ser discutida ad infinitum pelos especialistas de rede social enquanto comem um donut em frente ao PC ou defendem a sua causa num qualquer portátil Apple.
A outra questão que se coloca com o que aconteceu ontem. O atentado à liberdade de expressão.
Para muitos o Charlie Hebdo era um jornal racista, xenófobo, misógeno. Era também tudo isso sim. E outros defendem que cartoonismo não é jornalismo. de facto não é. Nem foi propriamente um atentado á liberdade de imprensa como o é o rapto a decapitação de jornalistas na Síria. Não tem a ver com isso. tem a ver com a liberdade de expressão. Os cartoons do Charlie Hebdo ofendiam? Sim, eram xenófobos? Muitos, sim. Mas defender o direito á liberdade de expressão na nossa sociedade tem a ver com isto:
É defender
o direito a poder esticar a liberdade de expressão a limites para além
do razoável e deixar a sociedade decidir em sede prórpia e entre si
quais os limites do razoável.
O direito a ser-se uma besta, um filho da puta
ofensivo, xenófobo, misógino e a ser-se julgado e criticado pelos
próprios pares, sociedade e tribunais de um estado de direito, e não por
uma bala. É uma expressão e é feita em liberdade. Posteriormente, e dentro das
regras definidas pela sociedade é que se julgará se foi ou não um abuso
da liberdade de expressão.
Eu tenho a liberdade de chamar filho da puta
ao Cavaco, ele tem a liberdade de se ofender e processar-me, mas nunca
de me impedir de o chamar filho da puta. Muito menos de enviar um comando armado para me matar.
Enquanto não se perceber isso não se perceberá o que aconteceu ontem e o que se diz hoje.
"Vós que vos julgais felizes, olhai para o fundo das vossas almas e contemplai o vazio. Não tendes nada. E é o nada que vos ofereço."
quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
O direito inalienável de poder desenhar Maomé ou Jesus a levar no cu
O que aconteceu hoje foi uma barbárie. Não maior do que um radical cristão que puxa fogo a uma clínica de abortos no Tenesse ou um norueguês tresloucado a varrer indiscriminadamente um acampameno de jovens socialistas. Todos pertencem a uma corja sub-humana que não é capaz de ter um pingo de compreensão e tolerância pela diferença de visão e opinião.
A diferença está que os ataques radicais cristãos ou de direita são feitos no extremo dos valores ocidentais, os quais, dentro da gramática cultural ocidental, são controlados e balizados por aquilo a que designámos como secularismo e são uma distorção extrema das regras por nós criadas.
Os ataques islamitas radicais não estão nas franjas da nossa civilização nem são uma distorção desses valores. Estão em afronta directa e oposta a esses valores.
Outra questão, não com menos importância, é a seguinte. Há que fazer a partir de agora uma escolha.
Muitos defenderam hoje com unhas e dentes o direito do Charlie Hebdo de ter publicado os cartoons satíricos, considerados ofensivos por muitos, se não todos os, muçulmanos (com a salvaguarda da reação de uma minoria ter sido diferente da maioria).
Ao fazê-lo não se poderão esquecer que o Charlie Hebdo publicava capas como esta:
Os cartoonistas do Charlie Hebdo não desenhavam Maomé para provocar islamitas, desenhavam Maomé e quem lhe apetecesse, porque esse é o valor da democracia ocidental.
O podermos rir connosco próprios e com os outros, sem medo. O direito a poder ofender e poder ser ofendido, o direito a podermos defender a nossa honra e liberdade.
É a este extremo que temos de levar o nosso direito. Quando dizemos somos Charlie dizemos, somos o direito de de poder desenhar Maomé nu a lavar a loiça, Jesus a levar no Cu, o Cavaco a lamber os tomates.
E só seremos todos Charlie se amanhã continuarmos a aceitar todos os cartoons, e não apenas aqueles sobre Maomé ou muçulmanos.
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