Páginas

sexta-feira, 27 de junho de 2008

DAN BROWN: Ou como prefiro fazer uma desvitalização a frio

Sou um leitor patológico. Não consigo passar sem ler. A primeira vez que li tinha quatro anos, quando juntei as três letrinhas de uma embalagem de detergente num supermercado debaixo da minha casa: "P-O-P... POP!", para muito espanto da minha mãe e restantes transeuntes da secção de limpeza da casa. O rapazinho aprendera a ler sozinho. Não foi a segunda vinda de Jesus Cristo mas foi algo de impressionante... ou não. Adiante.

Daí que a licenciatura em Filosofia e a pós graduação em edição de texto tenham sido consequências naturais deste desejo de ler. Só que uma tensão patológica para a leitura não significa que se leia tudo. O espírito crítico da formação académica levou a que certos filtros se formassem. A leitura de entretenimento deixo-a para os jornais e revistas. Sou, por exemplo, um ávido leitor do Record, não perco uma ida à casa de banho sem ler a Dica da Semana ou o Correio da Manhã. Quando me ponho a ler livros (o objecto encadernado) gosto de ler livros de ensaio e Filosofia ou Literatura e Ficção que façam do acto de ler um acto que valha a pena. Já li de tudo um pouco e ainda me falta muito para ler mas há simplesmente uma coisa que nunca me dei ao trabalho de ler, por antever o acto inútil que seria: a chamada literatura page turner que actualmente se edita, que teve a sua maior expressão na obra de Dan Brown.

A temática de Dan Brown aborrece-me e o facto de determinado autor ser rotulado de polémico não faz desse autor algo que valha a pena ler. Principalmente quando essa polémica parte de premissas presas unicamente ao marketing. Dan Brown por isso esteve sempre apenas nos horizontes das notícias e nunca nos meus horizontes de leitura. Exerço aqui o meu livro arbítrio. Estou-me nas tintas para o Dan Brown.


Não obstante o anterior, e rendido à velha máxima do "não fales mal daquilo que não conheces", embora de uma forma ou outra eu já o conheça, resolvi atender o desafio de um velho amigo, posto à volta de um prato de salsichas com couve lombarda e um jarro de vinho tinto, e ler um livro do dito autor. Argumento: "O tipo não pretende nada, escreve page turners, é um livro de acção, aquilo lê-se bem etc."

Ok. Tendo já visto o filme do "Código Da Vinci" resolvi pegar na sua obra anterior "Anjos e Demónios" e pus-me ao caminho das letras. A viagem durou três dias...

Mais valia estar quieto. Dan Brown é um autor intelectualmente desonesto, plagia-se a si próprio, padece de um chauvinismo da língua inglesa absolutamente insuportável, tem a imaginação narrativa de uma mosca e pressupõe a completa ignorância do leitor relativamente aos assuntos em causa. As suas personagens têm a profundidade psicológica de uma cárie dentária, escreve livros como quem escreve argumentos de cinema de acção Série B. Ignora propositadamente peças da acção que, se se mantivessem, destruíam completamente a coerência narrativa, apenas para manter o ritmo, e tem a linearidade dos planos das novelas da TVI.

Numa expressão, Dan Brown escreve livros como os feirantes montam viagens em comboios fantasma. A viagem é curta, barulhenta e com o mínimo de emoção. Com um pouco mais de atenção conseguimos ver as cordas e os mecanismos que accionam as marionetas e os monstros. A surpresa e o prazer acabam ao fim de cinco minutos só que a viagem continua. Lá para o fim pode aparecer um monstro que não estávamos à espera mas basicamente já sabemos como é que o mecanismo funciona. É só mais um. A viagem acaba e ficamos com a sensação… Acabei de perder 5 euros em 5 minutos.

“Anjos e Demónios” é um desperdício de papel e de tinta. Mau argumento, más personagens, linearidade narrativa, erros de conteúdo, palpites mal argumentados. Lê-se como se lê a Caras. Diverte. Masturbar também. No fim não me acrescentou absolutamente nada ter ou não lido o Dan Brown. Acabou por revelar-se das coisas mais indiferentes que me aconteceram.

Três vezes não. Para brainless entretainment prefiro cinema, com tiros. O acto de ler deve ser o de estar concentrado, de lutar com o autor, com as suas personagens, de se entretecer nas suas vidas e contra ou co-argumentar com o que vai sendo dito e de se perder nas paisagens, nos acontecimentos e nas narrativas. Nos livros de Dan Brown os argumentos são despedaçados à 2ª página com um simples “És um idiota”, os personagens desaparecem no ar como gases e as descrições dos sítios são como os guias turísticos que se compram na Rua Augusta.

Não, não gostei dos livros de Dan Brown. São uma perda de tempo. Tenho outras formas de entretenimento. O tempo que gastei a ler “Anjos e demónios” foi tempo que perdi no ranking de Enemy Territory. Se querem entretenimento apareçam em servidores de ET. Se olharem bem pelos binóculos eu sou o tipo que está por de trás da RPG a voar na vossa direcção, acabado de disparar de uma Panzerfaust, aquela que vos vai deixar reduzidos a uma mancha de sangue na parede.

You got PWNED.

1 comentário:

  1. Vá lá, já foste mais longe do que eu. Ainda não consegui ler UM livro que fosse do gajo. Aqui há uns tempos, abri aleatoriamente O Código Da Vinci, li duas ou três frases e disse para mim mesmo "Ná! Ganho mais em ler os solilóquios da Tera Patrick enquanto está a apanhar com ele na loja das traseiras!"

    ResponderEliminar

Estou-me nas tintas para a tua opinião...