Daí que a licenciatura em Filosofia e a pós graduação em edição de texto tenham sido consequências naturais deste desejo de ler. Só que uma tensão patológica para a leitura não significa que se leia tudo. O espírito crítico da formação académica levou a que certos filtros se formassem. A leitura de entretenimento deixo-a para os jornais e revistas. Sou, por exemplo, um ávido leitor do Record, não perco uma ida à casa de banho sem ler a Dica da Semana ou o Correio da Manhã. Quando me ponho a ler livros (o objecto encadernado) gosto de ler livros de ensaio e Filosofia ou Literatura e Ficção que façam do acto de ler um acto que valha a pena. Já li de tudo um pouco e ainda me falta muito para ler mas há simplesmente uma coisa que nunca me dei ao trabalho de ler, por antever o acto inútil que seria: a chamada literatura page turner que actualmente se edita, que teve a sua maior expressão na obra de Dan Brown.
A temática de Dan Brown aborrece-me e o facto de determinado autor ser rotulado de polémico não faz desse autor algo que valha a pena ler. Principalmente quando essa polémica parte de premissas presas unicamente ao marketing. Dan Brown por isso esteve sempre apenas nos horizontes das notícias e nunca nos meus horizontes de leitura. Exerço aqui o meu livro arbítrio. Estou-me nas tintas para o Dan Brown.
Não obstante o anterior, e rendido à velha máxima do "não fales mal daquilo que não conheces", embora de uma forma ou outra eu já o conheça, resolvi atender o desafio de um velho amigo, posto à volta de um prato de salsichas com couve lombarda e um jarro de vinho tinto, e ler um livro do dito autor. Argumento: "O tipo não pretende nada, escreve page turners, é um livro de acção, aquilo lê-se bem etc."
Ok. Tendo já visto o filme do "Código Da Vinci" resolvi pegar na sua obra anterior "Anjos e Demónios" e pus-me ao caminho das letras. A viagem durou três dias...
Mais valia estar quieto. Dan Brown é um autor intelectualmente desonesto, plagia-se a si próprio, padece de um chauvinismo da língua inglesa absolutamente insuportável, tem a imaginação narrativa de uma mosca e pressupõe a completa ignorância do leitor relativamente aos assuntos
Numa expressão, Dan Brown escreve livros como os feirantes montam viagens em comboios fantasma. A viagem é curta, barulhenta e com o mínimo de emoção. Com um pouco mais de atenção conseguimos ver as cordas e os mecanismos que accionam as marionetas e os monstros. A surpresa e o prazer acabam ao fim de cinco minutos só que a viagem continua. Lá para o fim pode aparecer um monstro que não estávamos à espera mas basicamente já sabemos como é que o mecanismo funciona. É só mais um. A viagem acaba e ficamos com a sensação… Acabei de perder 5 euros em 5 minutos.
Três vezes não. Para brainless entretainment prefiro cinema, com tiros. O acto de ler deve ser o de estar concentrado, de lutar com o autor, com as suas personagens, de se entretecer nas suas vidas e contra ou co-argumentar com o que vai sendo dito e de se perder nas paisagens, nos acontecimentos e nas narrativas. Nos livros de Dan Brown os argumentos são despedaçados à 2ª página com um simples “És um idiota”, os personagens desaparecem no ar como gases e as descrições dos sítios são como os guias turísticos que se compram na Rua Augusta.
You got PWNED.